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Resumo Introdução Metodologia Conclusão Bibliografia


Introdução

Apresentamos o relatório final da pesquisa “Movimento educativo emancipatório: Uma revisão das pesquisas sobre o Movimento dos Sem Terra no campo educacional”, desenvolvido no período de julho de 2006 a agosto de 2008, com apoio financeiro do CNPq.

A pesquisa situa-se num campo de estudos que tem se dedicado a problematizar as ações sócio-educativas que se desenvolvem no interior de movimentos sociais, cooperativas, associações, sindicatos e outras organizações sociais. Tais experiências têm apresentado um grande grau de inovação e capacidade de mudança nos sujeitos envolvidos e no meio em que vivem. Sua forma de organização, de envolvimento social, de articulação com outras esferas da vida e outros sujeitos sociais tem permitido a reflexão sobre o sentido da educação e da escola.

As pesquisas neste campo têm se preocupado com diferentes temáticas que incidem sobre o processo educativo presente no espaço e nas práticas sociais coletivas, especialmente as de caráter informal. A aprendizagem e a formação experiencial são processos de aquisição de saberes que têm origem na globalidade de vida das pessoas, associadas à modalidade da educação informal. Esta se refere às situações educativas com base nos efeitos educativos e não nas intenções. Os efeitos são entendidos como “mudanças duráveis de comportamentos que decorrem da aquisição de conhecimento na acção e da capitalização das experiências individuais e colectivas” (CANÁRIO, 2000, p. 81).

A riqueza e a diversidade da formação experiencial, segundo Cavaco (2002), depende da riqueza e diversidade das situações vividas/experimentadas pelos sujeitos no seu contexto, pois “o que a experiência permitiu aprender comporta necessariamente os limites do percurso” (DOMINICÉ, 1989 apud CAVACO, 2002, p.32) de vida de cada pessoa. Deste modo, segundo a autora, a experiência apresenta um caráter dinâmico, pois é questionada e alterada em função de novas situações vivenciais.

Apoiamo-nos num historiador marxista, E. P. Thompson, para aprofundamento da compreensão a respeito da categoria experiência, com base, fundamentalmente, na obra A Formação da Classe Operária Inglesa. A compreensão de classe social formulada por Thompson nesta obra, considera-a como um fenômeno histórico, como algo que ocorre efetivamente nas relações humanas, não de uma forma determinada, mas como uma capacidade de percepção e articulação de interesses de alguns indivíduos contra outros, cujos interesses diferem dos seus.

Thompson compreende que a classe e a consciência de classe vão formando-se juntas na experiência: é uma formação imanente. Tal compreensão pode ser observada na análise que faz do período 1790 a 1830, quando se forma a classe operária inglesa. O fato é revelado, em primeiro lugar, pelo crescimento da consciência de classe: a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização política e industrial. Acrescenta, ainda, que “o fazer-se da classe operária é um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica” (THOMPSON, 1987, v.2, p.17).

Retratar as mudanças de vida dos trabalhadores rurais, dos artesãos e tecelões, pode parecer um registro de frustrações e fracassos, mas a experiência apresenta muitas tradições que se originam deste período. Dos primeiros estágios da auto-educação política de uma classe, que dizem respeito aos efeitos morais da sociedade, acompanhamos com o autor o despertar de uma autoconsciência coletiva, associada a teorias, instituições, normas disciplinares e valores comunitários correspondentes que distinguem a classe operária do século XIX da plebe do século XVIII. Da revolta dos trabalhadores na destruição de máquinas, assistimos, nos anos de 1830 aos homens lutarem, não contra a máquina, mas contra as relações exploradoras e opressivas intrínsecas ao capitalismo industrial. Nesse momento, é possível falar de uma nova forma de consciência dos trabalhadores em relação aos seus interesses e à sua situação enquanto classe, que se refletem na identidade de interesses entre trabalhadores das mais diversas profissões e níveis de realização, de um lado, e na identidade dos interesses da classe operária, de outro, expressos em muitas formas institucionais e no sindicalismo de 1830-34.

Enfim, o autor explora as experiências das quais surgiu a expressão cultural e política da consciência da classe operária. Sua análise considera o modo de vida característico dos trabalhadores, que está associado com um modo de produção, e os valores partilhados pelos que viveram durante a Revolução Industrial. É um estudo das experiências cotidianas, da qualidade de vida, dos valores com desejo de racionalização global.

Se detemos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas idéias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história (THOMPSON, 1987, v.1, p.11).

Ao considerar as classes como um processo em formação, um “fazer-se”, constituída e constituinte da luta, percebe-se a importância atribuída por Thompson à categoria experiência. Refere-se, é claro, à experiência humana.

Pela experiência os homens se tornam sujeitos, experimentam situações e relações produtivas como necessidades e interesses, como antagonismos. Eles tratam essa experiência em sua consciência e cultura e não apenas a introjetam. Ela não tem um caráter só acumulativo. Ela é fundamentalmente qualitativa (THOMPSON, 1981 apud GHON, 1997, p.204).

No processo de formação social, a experiência humana tem papel central, apesar de ser um termo ausente na teoria de Althusser, o qual é igualado ao empirismo. A experiência humana é gerada na vida material e estruturada em termos de classe.

Nesse sentido, Thompson propõe a Lógica Histórica, um método de investigação que pressupõe o diálogo entre conceito e evidência, entre hipóteses e pesquisa empírica, entre o conteúdo da interrogação e o interrogado. Pois, para a análise da experiência humana, há necessidade de um tipo diferente de lógica:

Adequado aos fenômenos que estão sempre em movimento, que evidenciam – mesmo num único momento – manifestações contraditórias, cujas evidências particulares só podem encontrar definição dentro de contextos particulares, e, ainda, cujos termos gerais de análise (isto é, as perguntas adequadas à interrogação da evidência) raramente são constantes e, com mais freqüência, estão em transição, juntamente com os movimentos do evento histórico: assim como o objeto de investigação se modifica, também se modificam as questões adequadas (THOMPSON, 1981, p. 48).

Para Thompson, a categoria experiência, por mais que seja imperfeita, é indispensável ao historiador, “já que compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento” (THOMPSON, 1981, p.15).

Segue refletindo que a questão propriamente dita não é a dos limites da experiência, mas a maneira de alcançá-la ou produzi-la. “A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo” (THOMPSON, 1981, p.16). Há, portanto, uma relação permanente entre a matéria e o pensamento, um implica o outro, o que pressupõe o diálogo entre o ser social e a consciência social, algo negligenciado por Althusser.

O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no ser social que dão origem à experiência modificada; e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais elaborados (THOMPSON,1981, p. 16).

Isso que dizer que, “assim como o ser é pensado, também o pensamento é vivido” (THOMPSON, 1981, p.17). A trajetória de vida de Thompson, para além dos muros acadêmicos, lhe proporcionou elementos suficientes para pensar a realidade social de forma menos rígida e estruturalista. Ele mesmo lembra a Althusser que conhecimentos se formaram e se formam fora dos procedimentos acadêmicos e dos recintos da universidade. Como professor de adultos em aulas para trabalhadores e sindicalistas, como militante do partido comunista inglês e do movimento anti-nuclear na Europa, aprendeu logo que “a experiência não espera discretamente, fora de seus gabinetes, o momento em que o discurso da demonstração convocará a sua presença. A experiência entra sem bater à porta e anuncia mortes, crises de subsistência, guerra de trincheira, desemprego, inflação, genocídio” (p.17). Frente a estas experiências, Thompson indica que velhos sistemas conceituais podem desmoronar e novas problemáticas podem insistir em impor sua presença.

Dentro desta perspectiva, centramos nossa análise na ação dos trabalhadores sem-terra que se organizam em torno do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tendo em vista a sua capacidade de criação de alternativas econômicas de sobrevivência diante do desemprego e extrema precarização do trabalho, bem como de criação de formas alternativas de educação. Pretendemos observar o processo de formação e de aprendizagem dos sem-terra diante da necessidade de responder aos desafios que a vida lhes coloca. A intensidade e a pertinência da experiência por eles vivida na ocupação de uma área, no acampamento e no assentamento certamente são formativas, dependendo, é claro, do significado que atribuem a esta experiência. “Para aprender é necessário compreender o sentido das experiências, ou seja, reflectir e tornar conscientes as experiências de vida e é neste sentido que se pode falar de formação experiencial” (CAVACO, 2002, p. 34).

Neste relatório, analisamos o caráter emancipatório do MST a partir de suas ações sócioeducativas. Nossa base de análise são as pesquisas na área da educação desenvolvidas sobre o Movimento, desde a sua criação, em 1984. A pesquisa justifica-se, a nosso ver, pela relevância histórica, política e educativa do MST e pelo grande número de pesquisas já desenvolvidas sobre o Movimento. Passaremos a expor estes aspectos:

1.-> Levamos em consideracao os vinte e quatro anos de existencia do MST, marcados por uma expressiva insercao na politica nacional, pela sua constituicao como um movimento de massas que atinge quase todos os estados do Brasil, pela sua estrutura organizacional que abrange desde o setor produtivo ate o educativo e o cultural, pela sua grande capacidade de mobilizacao num contexto de recrudescimento do movimento sindical. E, especialmente, por se constituir tambem num movimento educativo.

Com diferentes origens e trajetórias sociais, os sem-terra vão se diferenciando dos desvalidos, dos desamparados, dos que vivem nas favelas das cidades, dos que vagueiam em busca de trabalho, pelas suas ações, que são de enfrentamento e de organização da vida (no campo da produção, da educação, da saúde, da habitação). Diferenciam-se pelo fato de constituírem um movimento organizado, que é capaz de dar condução política à revolta e ao desespero.

O MST constitui-se num momento de grandes contradições sociais. Surge quando as oposições sindicais rurais afloram e cresce a revolta popular urbana, quando a Igreja Católica, através da Teologia da Libertação, assume sua preferência pelos pobres, pelos sem-terra, semteto... Mas, nesse processo histórico, o MST vai construindo-se em meio a muitas mudanças: a direitização da Igreja Católica, o refluxo dos sindicatos, a mudança nos discursos dos partidos políticos de esquerda (numa linha mais social-democrata), a falta de uma crítica global à sociedade capitalista, a fragmentação do conhecimento por parte dos intelectuais. O MST enfrenta muitas tensões, provocadas pelos limites históricos e pelas condições políticas que impedem a realização da reforma agrária na perspectiva apontada pelo movimento. E provocadas, também, pelas necessidades e expectativas dos sem-terra que se juntam ao Movimento buscando uma resposta imediata para seus problemas: querem a terra e as condições para nela produzir; mobilizam-se em torno da perspectiva imediata de vida, e no assentamento é o vir a ser que se coloca, por meio da organização das cooperativas. Portanto, há um descompasso entre o presente e o futuro e uma tensão entre o individual e o coletivo, numa sociedade que prima pelo individual.

A trajetória que os sem-terra constroem do acampamento para o assentamento, em termos de conquistas (a terra em primeiro lugar e, em seguida, as condições para a permanência nela), de constituição política enquanto um grupo organizado e de capacidade de organização no acampamento, que terá decisivos reflexos no assentamento, é considerada um processo educativo, no sentido da formação humana de grupos que trabalham em situação precária ou convivem com o desemprego (os quais atingem fortemente a sua própria vida) e passam por uma experiência de vida que implica em mudanças, pela própria condição por todos compartilhada de ser sem-terra e pela constituição de um movimento que é capaz de gerar uma identidade comum entre eles.

As estratégias coletivas de sobrevivência criadas pelos sem-terra, num contexto de vida e de trabalho precário tanto no meio urbano quanto no rural, revelam sua capacidade de buscar respostas diante da impossibilidade de sobreviverem da forma como vinham fazendo. As trajetórias vivenciadas pelos sem-terra na experiência de acampamento e de assentamento influenciam na construção de estratégias de organização da vida e do trabalho, considerando que o processo vivido pelos trabalhadores organizados em torno do MST é em si educativo. Esta questão sustenta-se na tese de que a experiência de quem aprende torna-se o ponto de partida e o ponto de chegada dos processos de aprendizagem. Aprender significa “atribuir sentido a uma realidade complexa” (CANÁRIO, 2000, p. 110).

No processo de luta, de organização, de trabalho, de cooperação e de vida dos Sem Terra ligados ao MST, é possível perceber que a educação é expressão de todas essas dinâmicas construídas coletivamente, ou seja, ela é constituída pelas relações sociais, mas é também constituinte. Isso significa dizer que o processo educativo vivido instrumentaliza-os para o seu trabalho, para a cooperação, para as lutas junto ao MST, ao partido político, à militância ecológica e das mulheres acampadas e assentadas.

Além desse caráter educativo mais pleno, há uma política por parte do Movimento dos Sem Terra, de formação de sua base: formação política, técnica e escolar, desenvolvida por meio de cursos próprios, de parcerias com universidades, institutos e prefeituras e nas escolas vinculadas às redes estaduais e municipais que funcionam em alguns acampamentos e nos assentamentos rurais. São 1.800 escolas públicas de ensino fundamental, em que estudam 160 mil crianças e adolescentes e atuam 3900 educadores. Além dos espaços de educação infantil, conhecidos como Cirandas Infantis, que contam com 250 educadores LINK pra NOTA DE RODAPE (1).

Em todo o país, funciona um Programa de Alfabetização, em conjunto com a UNESCO e com aproximadamente 50 universidades, que atendem em torno de trinta mil jovens e adultos assentados, e conta com três mil educadores.

O MST também oferece formação em nível médio e superior: Na Escola Josué de Castro, o Instituto Técnico de Ensino e Pesquisa em Reforma Agrária – ITERRA (vinculado ao MST) mantém os Cursos Técnicos de nível médio em Administração de Cooperativas, Magistério e Formação em Saúde e, em parcerias com universidades (nos seguintes estados: PA, PB, SE, ES, MT, MS e RS), o MST promove cursos de nível superior em Pedagogia. Além das escolas, cursos e programas acima mencionados, o MST mantém a Escola Nacional Florestan Fernandes, que oferece aos acampados e assentados o Curso Básico de Formação de Militantes e Cursos de Formação de Formadores LINK PARA NOTA RODAPE(2).

2.->Ha um conjunto expressivo de pesquisas (dissertacoes e teses) sobre o MST em diferentes areas do conhecimento. No banco de teses e dissertacoes da Capes encontramos 443 trabalhos (87 teses e 356 dissertacoes) que tratam do MST em diferentes areas do conhecimento, no periodo de 1987 a 2006. Na area da educacao, sao 31 teses e 105 dissertacoes.

Observamos que muitos trabalhos acadêmicos já foram desenvolvidos sobre o MST, nossa pesquisa alcançará apenas as teses e dissertações, há um conjunto de pesquisas e monografias que não são contempladas. Consideramos necessário mapear os trabalhos, identificar os temas predominantes, os procedimentos metodológicos utilizados e analisar o debate acadêmico que tem sido feito a respeito das ações do MST.

Nesta direção, desenvolvemos uma pesquisa acerca de uma produção que já tem em torno de 20 anos. Consideramos necessário fazer uma avaliação dessa produção, dos temas abordados, das questões que continuam em aberto e da análise sobre o sentido histórico das experiências educativas do MST.

Trata-se, portanto, de uma revisão da literatura, tendo como suporte as dissertações, teses, livros e artigos elaborados na área da educação sobre o Movimento dos Sem Terra, desde a sua constituição em 1984.

Este trabalho pretende ser útil aos jovens pesquisadores que iniciam seus estudos a respeito das ações de um movimento social de significativa expressão na realidade brasileira, observando os temas de estudo que ainda carecem de pesquisas, procurando não repetir estudos de problemáticas já amplamente debatidas e procurando avançar nas reflexões, tomando como base as pesquisas anteriores.

Por sua vez, o Movimento dos Sem Terra também poderá beneficiar-se com este estudo, o qual fornecerá uma visão ampla das pesquisas, seus temas e campos empíricos, bem como propiciará uma análise das problemáticas e desafios observados nas práticas sócio-educativas do Movimento, segundo a percepção dos pesquisadores.

Nossa questão central de estudo centra-se no questionamento sobre o caráter emancipatório do MST e sobre a relação entre a formação e o trabalho apreendidos nas pesquisas sobre o Movimento.

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